Outro dia, nossa querida Nina Lemos publicou uma história sobre como ela entrevistou o Renato Russo com algumas mentirinhas. Na hora ri porque lembrei da minha história com uma pequena mentira também contada pra poder chegar perto dele. Afinal, Cazuza e Renato Russo eram os maiores ícones do rock no final dos anos 80 início dos 90, e neste ano tinha apenas 15 anos e muita vontade de falar com um “ídolo”. Entender suas músicas, e revoltar-se com o mundo da mesma forma como eles se revoltavam, era normal em mentes juvenis ávidas por rebeldia e descontentamento com a sociedade e mundo a sua volta. “Mãe, sua piscina está cheia de ratos”, lembro-me perfeitamente dizendo isso a minha mãe que estava desesperada por eu não ter chegado a tempo dos fogos de ano novo, não por culpa minha, mas por culpa de um trânsito infernal no trajeto Santos-Mongaguá. Foi lá que conheci um menino chamado Marcelo, lindo. Olhos verdes. Ariano (difícil, heim eu ficar com um ariano, talvez o único). Fiquei com ele, e uns dias depois ele e uns amigos muito bacanas perguntaram se iria ao show do Legião
“Alô, quem fala?”
“Quer falar com quem?”
“Queria falar com a Dona Carminha”.
“Dona Carminha, telefone pra senhora”.
Pronto. Lá estava feita a tentativa correta.
“Olá, Dona Carminha. Aqui é a Bia Abramo, da Bizz” – aqui
está minha mentira para conseguir chegar ao Renato e desculpe, Bia, pelo uso de
seu nome em vão. “Estou procurando pelo Renato para uma entrevista. A senhora
sabe onde eu posso achá-lo?”.
Dona Carminha sempre foi muito gentil e educadíssima e
atenciosa me explicou que o Renato estava morando em um apart no Rio, no Marina
Palace.
Pronto. Lá se vai mais uns serviços de auxílio à lista, e
pronto. Encontramos.
“Por favor, Renato Manfredini Júnior”.
“Um minuto, por favor”.
Nossa, passaram a ligação. O sangue corria por todas as
parte do corpo. A adrenalina, percorria cada centímetro de minha boca. Só tive
essa sensação três vezes com essa intensidade na vida – a primeira quando subi
ao palco pela primeira vez para apresentar uma peça de teatro. A segunda quando
desci uma onda perfeita em Itamambuca com uns 14 anos, e esta quando o telefone
do quarto do apart do Renato Russo tocou e atendeu.
“Alô, quem é?”, uma voz de um garoto meio afeminada soou do
outro lado.
“Oi, é a Márcia de São Paulo”, aqui não tinha mais porque
ficar mentindo e falei quem era de verdade. “Eu queria falar com o Renato. Ele
está aí?”.
“Renato, é a Márcia, sua amiga de São Paulo”.
“Renato, é a Márcia. Não sou sua amiga, mas tudo bem?”
“Tudo bem, e você? Quem é você?”.
“Eu e uma amiga minha, a Dani, gostamos muito de você. Fomos
semana passada ao seu show e queríamos que você nos desse um conselho”. Com a
cabeça completamente atordoa foi a primeira coisa que apareceu para tentar
puxar conversa.
“Olha, eu estou saindo para ir a um show. Vai ser uma
homenagem ao Cazuza, sabe? Mas faz o seguinte. Reza, Reza bastante”.
“Está bom. Obrigada. Vou rezar”. Quase não conseguia falar.
Na sequência, a voz que havia atendido primeiramente o
telefone voltou a falar. “Então, a gente vai sair, mas depois a gente conversa,
tá?”.
“Tá. Obrigada”.
A sala lá de casa era pequena para as rodadas que demos no
chão de tanta alegria. Não nos contínhamos de ter conseguido falar com o Renato
Russo, um “deus” para os adolescentes e jovens adultos na época, e que de certa
forma, ele tinha sido educado e bacana.
Psicas como éramos, logicamente não parou apenas nesta
ligação. No dia seguinte, lá estávamos nós novamente, tentando falar com ele.
Conseguimos falamos com ele, e depois com seu amigo e companheiro de apart
hotel, o Edson, que nos atendeu feliz e nos contou como havia sido a homenagem
ao Cazuza. “Acho que ele gostou da gente”, pensávamos na época, uma vez que ao
invés de ficarmos amiga de Renato Russo como gostaríamos, ficamos mesmo amigas
de seu amigo Edson.
Nós ligávamos, ele nos atendia e conversávamos minutos e
minutos, ele nos mostrava gravações de shows, um do Jockey, eu lembro bem... ou
seja de 30 a
60 minutos, em média, tempos que foram suficientes para vir contas absurdas de
telefone e termos que vender nossas roupas para pagá-las e escondê-las de
nossos pais. Mas éramos muito inteligentes, como o próprio Renato disse –
“Vocês são muito espertas, heim, meninas”. Depois do dia em que contamos a ele
como havíamos conseguido seu telefone, nunca mais o nome Manfredini contou no
serviço de informações 102. Talvez não éramos tão espertas assim... não
deveríamos tê-lo contato nossa estratégia. Mas o fato é que falamos com Renato
mais umas duas ou três vezes. Com Edson era quase todos os dias. Em 23 de
outubro de 1990, seu aniversário, ele nos contou:
- Hoje é meu aniversário. Estou fazendo 21 anos”, e todo
feliz comentou que Renato havia lhe dado um presente. “Ele me deu um sapato
super bonito”. Não sabíamos ao certo que tipo de relacionamento existia entre
eles. Também não nos importávamos com isso. O que o Edson nos contou é que eles
haviam se conhecido num supermercado. Não me lembro ao certo se ele era
empacotador, ou empurrava carrinhos. Também não sabemos se a história era
verdadeira. Mas o Ed, como nós o chamávamos, passou a nos ligar com uma certa
frequência também. A partir daí não conseguimos mais falar com Renato, e
conversávamos apenas com seu amigo. Até que um dia, ele nos liga, a cobrar de
alguma cidade do Nordeste, acho que estava em Recife, dizendo que estava em uma
turnê do Legião Urbana e que iria nos ligar na volta, quando chegasse em
Cumbica (SP). Os locais eram verdadeiros, afinal na conta do telefone ficaram
todas registradas as ligações a cobrar. “Vou descer em Cumbica e depois vou até
Campinas. Quero visitar vocês”. Não sabíamos se ficávamos felizes ou tristes.
Mas, aos 15 anos, sem nenhuma experiência, morremos de medo do que poderia vir
pela frente. E bem ou mal, minha mãe, Lenir, que já estava ficando íntima do Ed
também, de tanto que ele ligava não deixou mais que atendesse às ligações dele
à cobrar. Isso que ela nem sabia que ele estava vindo para Campinas. Ele chegou
em Cumbica e ligou...
Não atendemos. Minha mãe não deixou eu falar. A partir daí não
sabemos mais o que lhe aconteceu... ele sumiu. O Renato também sumiu. Ligamos
várias vezes para Hotel Marina e nada. Ligamos para sua mãe e nada. Chegando o
Natal, pensamos “ele deve fazer uma visita à mãe”. Ligamos e ele nos atendeu...
- Oi, Renato. Tudo bem? A gente queria saber se você está
bem e saber o que aconteceu com o Edson...do outro lado, uma voz brava e
exaltada:
- Não sei! O Edson morreu! Não me liguem mais.
Acabara de receber um fora de Renato Russo. Lógico, não lhe
procuramos nunca mais. Não sabíamos ainda na época que ele estava com AIDS. Mas
depois ficamos sabendo que a notícia lhe veio bem neste período, e ficamos nos
perguntando se o Edson realmente havia morrido ou se foi uma desculpa que o
Renato achou para nós. Até hoje gostaríamos de saber onde ele foi parar. Perguntei
em 2011, ao Dado (O Villa-Lobos) se ele sabia do Edson, mas ele não se
lembrava...
Mas ainda gostaria de saber o que aconteceu com ele. Espero
se alguém ler este post possa nos explicar quem foi e o que aconteceu com o
Edson depois de novembro de 1990. Rezemos, rezemos bastante! ;)