sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Trilha sonora para perder a cabeça

Entrevista de Daniel E.T. à Márcia Raele (via e-mail)

ET é uma pessoa do bem. Pessoas estranhas ao submundo do rock podem achá-lo esquisito – afinal é um garoto não tão-garoto assim todo tatuado, que canta um tal de roque acelerado e alto, e ainda por cima tem jeito de garoto. Mas quem o conhece sabe que ali só existem boas intenções e idealizações. Seu festival AutoRock é uma delas. Nascido em 2003, em homenagem aos 10 anos de JuntaTribo – festival de rock independente do Brasil pioneiro e um dos maiores até hoje –, o AutoRock sobrevive em grande estilo. Cada ano tem uma novidade – às vezes um show de graça na rua, esse ano shows itinerantes e em lugares bem bacanas. O Autorock reúne um pouco do que ET diz a respeito de sua principal banda, a Muzzarelas – “ser uma trilha sonora para as pessoas perderem a cabeça” [no bom sentido, é lógico]. Em quase 20 anos de história, os Muzzarelas já fizeram a cabeça de muitos jovens e velhinho(a)s, como eu. E apesar de tanto tempo tocando, ainda conseguem manter até hoje a essência punk rock de sempre – “não pulamos nem agitamos tanto quanto antigamente, mas tocamos muito mais rápido e alto que antes”.

Já tiveram alguma proposta para partir para algo mais comercial? Se sim, por que recusaram?
Já fomos a algumas reuniões com alguns caras de gravadoras, e era sempre a mesma conversinha...que as letras teriam que ser em português e que assim atingiríamos um público maior e essa coisa toda. Fomos sondados no começo dos anos 90 por vários selos da época, tipo Banguela, Tinitus, Eldorado e por aí vai... Não me lembro exatamente o motivo de não aceitarmos esse tipo de proposta. Acho que tinha algo a ver com a cascola. Mas foi bom, afinal estamos aqui até hoje, não é? Atualmente até temos algum material composto em português, mas ele soa muito menos comercial/vendavél que o material em inglês.

O que acham do que hoje é chamado de "Emo"?
Para mim aquilo é só um poprock desafinado, chato, mal tocado e muito, mas muito mal intencionado.

Como geralmente você se sente antes de entrar num show? E a hora que acaba?
O sangue sempre ferve na hora H, mesmo fazendo isso há vários anos. É isso que torna a coisa mais interessante, aliado a quatro cervejas em lata ou duas de garrafa. Agora estou meio velho, então minhas costas sempre doem um pouco, mas mesmo assim a sensação que mistura cansaço físico com felicidade é sempre ótima.

São quase 20 anos de banda (17 anos, certo??). É muita história, muitos shows... Tem alguma coisa que vocês ainda não vivenciaram como banda nesse tempo e que gostariam que acontecesse?
Seria bom ganhar um cascalho, fazer uma tour muito doida na Europa e lançar todos os nossos cds em vinil.

Quando vocês começaram a tocar imaginavam que tocariam por tantos anos?
Nós não nos levávamos muito a sério, e particularmente eu achava que não ia durar nem um ano. Até que fizemos nossa primeira gravação. Foi quando eu vi que daquele "mato saía coelho". Tanto que estou aqui até hoje.

As músicas dos Muzzarelas tem algum objetivo?
Sim, ser uma trilha sonora para as pessoas perderem a cabeça.

Qual a diferença de quando vocês começaram a tocar para hoje? Vocês acham que a cena do rock independente em Campinas evoluiu? E no Brasil?
Quando começamos tudo ainda era muito rudimentar, não havia internet e tudo era feito via correio, telefone e no máximo um aparelho de fax do trampo. Só tocava quem era muito apaixonado mesmo, pois tirando a satisfação pessoal e de um pequeno grupo de amigos, ninguém tinha a pretenção de chegar a lugar nenhum, ninguém esperava tocar no rádio, na tv, ganhar fama e fortuna. Hoje tem gente que já começa a tocar, com a cabeça num pseudoestrelato, seja ele no mainstream ou no underground (aí o nome é... HYPE). A logística hoje é muito melhor, mas temos muitas bandas horríveis (e muito parecidas entre si). Parece que sempre tem alguém que descobre a fórmula da mediocridade e um monte de idiotas vai atrás. Por outro lado, sempre tem alguém que se revolta com tanto senso comum e procura fazer um som mais autêntico e inspirado.

Vocês, com certeza, viram muitas bandas "nascerem e morrerem". Vocês se consideram uma banda de sorte? E de sucesso? Por quê?
Vimos bandas subirem como foguetes e descerem feito uma bomba. Várias pessoas brigando por grana ,ego, pó, etc... Temos a sorte de poder fazer nossos discos e músicas sempre do nosso jeito e compartilhar isso com desajustado(a)s de tudo quanto é canto do mundo.

Algum show em especial marcou a história do Muzzarelas?
Quando nós tocamos em Jacutinga ha uns dois anos. Nas bandas anteriores, tinha um público de umas 2 mil pessoas, e só fomos tocar umas 4 da manhã, acho que para uns 20 gatos pingados. O resto do público foi embora e saiu fazendo merda na rua, tipo bebendo, queimando fumo e vandalizando. Na semana seguinte saiu uma notícia que dizia algo tipo...JOVENS SELVAGENS BARBARIZAM A CIDADE EM SHOW DA BANDA MUZZARELAS. Não tocamos para ninguém e ainda ficamos com toda visibilidade do evento... ROQUEROS DE VERDADE.

Como é tocar por tanto tempo e ver diferentes gerações em seus shows? Ainda dá para pular/agitar com a mesma intensidade?
É muito legal ver uns muleques que vão aos shows e que são filhos de gente que conhecemos nos shows dos muzzas... às vezes os pais vão junto e caem no pogo também. O Lirão ía aos shows desde os 13 anos e hoje é nosso baterista. Hoje em dia não pulamos nem agitamos tanto quanto antigamente, mas tocamos muito mais rápido e alto que antes.

Algum projeto em andamento?
O Renatão da Old Dog Vídeo está editando um vídeo da nossa tournê na Argentina, e já estamos compondo uns sons para o próximo disco.

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